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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

#ficadica: A vida sexual da mulher feia

Posso garantir que sem sombra de dúvidas A Vida Sexual Da Mulher Feia proporciona boas gargalhadas. A obra de ficção conta a história de Jucianara, que desde criança descobriu ser uma mulher feia, uma vez que ninguém escondia isso dela. O livro é pequeno, 70 páginas em que Tajes nos faz acreditar que a narradora das histórias, Ju, não é uma personagem.

Comprei esse livro baratinho na internet, cerca de R$10, mas quem quiser pode baixar o livro aqui.

Vou deixar aqui um trecho do livro, sobre o primeiro amor não correspondido de Ju.

"Mesmo antes de saber que o que eu sentia era amor, cumpri, passo a passo, a sina de uma feia apaixonada. Tentando conquistar Artur, passei a entregar a ele minha merenda, em um primeiro momento, e meus brinquedos, logo depois. Ioiô, bola de gude, pega-varetas, baralho do Batman, anel do Batman, cinto do Batman, dominó, cinco marias. Tudo que coubesse nos meus bolsos ou na minha merendeira foi transferido para Artur. Minha mãe pensou que eu, em um ataque de desatino infantil, tivesse quebrado todos os meus brinquedos e escondido as provas. Neguei até o fim, o que não evitou que ela me batesse com o Vermelhão, um chinelo gasto de borracha vermelha que ficava pendurado permanentemente na área de serviço, à espera de que algum dos filhos saísse da linha. Quando só sobraram algumas bonecas e panelinhas no meu quarto, recorri ao acervo dos meus irmãos para continuar presenteando Artur. Até mesmo uma revista de mulher pelada que Everton, o mais velho, escondia com todo o cuidado na gaveta do meio da cômoda virou propriedade de Artur
(...)
Numa tarde em que a turma fazia colagens com papel colorido, cortei caprichosamente um coração cor-de-rosa e escrevi nele a letra A, a única que eu sabia à época, por sorte a inicial do meu amor. Mostrei para Artur, que olhou de qualquer jeito e continuou fazendo seu próprio trabalho.
Insisti.
- É para você.
- Eu não quero um coração rosa.
Aos seis anos, não sei de onde tirei coragem para dizer.
- Mas tem a letra A. de Artur. É porque eu gosto de você.
- Não quero que você goste de mim. Você é feia.
Artur encerrou o assunto e voltou à sua colagem, enquanto a gorda Lucilei interrompeu o recorte de uma flor toda torta para me informar:
- Ele chamou você de feia.
Rasguei o coração de papel e não disse mais uma palavra. Em casa, a cabeça apoiada no colo da minha mãe, falei o que atormentava meu coração de carne, igualmente rasgado.
- O Artur da minha aula me chamou de feia...
Minha mãe permaneceu quieta, a mão alisando os cabelos duros e crespos que me nasciam na testa.
- Ele me chamou de feia...
- E o que mais você fez na aula hoje?
O silêncio constrangido da mãe ficou, em todas as minhas recordações, durante toda a minha história, pela minha vida inteira, como um atestado de feiúra assinado e reconhecido pela autoridade mais competente. Ou mais incompetente, considerando a parte fundamental que os genes dela desempenhavam na minha
tragédia estética" (TAJES, 2005, p.6)

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